RESUMO
Não há indicadores de desempenho para o ensino de Língua Estrangeira (LE) no Brasil, como fazem o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB) e o Sistema de Avaliação da Educação Básica (SAEB) para o ensino de Língua Portuguesa e Matemática. Isso dificulta a aferição da qualidade dos cursos de Línguas Estrangeiras ofertados e inibe a reflexão sobre estratégias de melhoria do aprendizado, além de reforçar a baixa importância conferida à LE na grade curricular brasileira. Assim, através de pesquisa bibliográfica, mapeando as diretrizes de ensino de LE tanto nas matrizes nacionais quanto na matriz de referência internacional, o Quadro Comum Europeu, identificamos os contextos e as tendências nos sistemas educacionais e analisamos os padrões de aprendizado (standards) – também chamados de expectativas de aprendizado (learning outcomes). Ao analisar tais elementos, percebemos que as diretrizes nacionais carecem de objetividade ao elencar os conteúdos para ensino de língua estrangeira. É nossa intenção fornecer dados e hipóteses que fomentarão outras pesquisas e embasarão tomadas de decisão nas políticas públicas sobre o ensino-aprendizagem de LE ao concluirmos que o Brasil precisa construir descritores objetivos para LE em suas matrizes.
PALAVRAS-CHAVE: indicadores de desempenho, padrões/expectativa de aprendizado, matrizes de referência, língua estrangeira.
INTRODUÇÃO
O ensino de Língua Estrangeira Moderna (LEM) no Brasil é regido por diferentes instâncias. Estas, por sua vez, encontram-se num modelo descentralizado apesar dos esforços recentes para compilação de uma Base Nacional Comum Curricular (BNCC).
O componente curricular LEM é parte integrante da Base Curricular Comum com statusde “diversificado”, o que significa que deve ser adaptado às realidades regionais. O fato de pertencer à essa parte diversificada faz com que a oferta e o ensino de língua estrangeira sejam menos regulamentados e, não raramente, a LE é considerada coadjuvante no currículo escolar. Esta configuração curricular atribui à LE uma característica de menor importância, percebida, inclusive, pela pouca carga horária oferecida, ao compararmos com a carga dos demais componentes curriculares.
A primeira demonstração da pouca legitimidade do ensino de idiomas está registrada nos Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Estrangeira (PCNs) para o ensino fundamental publicados pelo MEC em 1998. O documento minimiza a importância do ensino das habilidades orais, afirmando que “somente uma pequena parcela da população tem a oportunidade de usar línguas estrangeiras como instrumento de comunicação oral”.
Voltando-nos para a literatura internacional, as diretrizes de ensino/aprendizagem de LE parecem convergir em uma matriz de referência padronizada: o Quadro Comum Europeu de Referência para Línguas (QCER, ou CEFR, do inglês Common European Framework of Reference for Languages). Os exames internacionais de proficiência em linguagem relacionam suas expectativas de aprendizagem aos níveis de proficiência do QCER, como o Diplomas de Español como Lengua Extranjera (DELE, para Língua Espanhola), Test of English as a Foreign Language (TOEFL, para Língua Inglesa), Goethe-Zertifikat (para Língua Alemã). Do mesmo modo, as editoras de material didático e os institutos particulares de idiomas estão em sintonia com o QCER.
O estabelecimento de níveis comuns de referência concorre para a transparência e comparabilidade dos processos de ensino e aprendizagem e para o correspondente reconhecimento dos níveis de competência linguística alcançados. A tendência internacional, com base no QCER, é de fomentar ambientes propiciadores de uma aprendizagem motivadora e próxima de contextos reais de comunicação. Essa mesma tendência ainda não é percebida – ou não está declarada – nos documentos oficiais brasileiros que tratam das diretrizes de ensino de LE.
Interessa-nos, neste trabalho, analisar os padrões de aprendizado (standards) contemplados em matrizes nacionais e no QCER, levantando seus marcos teóricos e colocando-os em seus contextos de prática, incluindo os sistemas educacionais brasileiros.
Objetivamos, de modo geral, a análise dos padrões de aprendizado para o ensino de LE no Brasil, bem como na matriz de referência internacional, o Quadro Comum Europeu. Em específico, o presente trabalho busca:
- mapear as diferente políticas públicas de ensino de língua estrangeira na educação básica, identificando seus contextos de usos, semelhanças e diferenças;
- apresentar o Quadro Comum Europeu de Referência para Línguas e sua constituição teórica e histórica; e
- identificar tendências nos sistemas educacionais para o ensino de LE, a partir da análise dos padrões de aprendizado listados nas matrizes nacionais e no QCER.
A situação retratada nos parágrafos iniciais demanda aplicação de sistemas de avaliação e qualificação do ensino de LE. Os indicadores para o ensino de LE são inexistentes no país, ao contrário dos indicadores de Língua Portuguesa e Matemática que são mensurados pelo Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB) e pelo Sistema de Avaliação da Educação Básica (SAEB). Sem processos de mensuração é impossível traçarmos metas e acompanharmos a qualidade dos programas visando a melhoria do aprendizado.
Nossa escolha pela presente proposta de trabalho de conclusão justifica-se por, ao analisar os padrões desejados de aprendizagem das principais matrizes de referência, fornecer dados e hipóteses que fomentarão outras pesquisas e embasarão tomadas de decisão em políticas públicas.
O recente inciso VIII incluído pela Lei nº 13.174 de 2015 ao artigo 43 da Lei nº 9.394 de 1996 foi, simultaneamente, inspiração e justificativa para o desenvolvimento dessa pesquisa que visa a contribuição à educação básica em geral, e aos processos de ensino/aprendizagem de LE em particular:
“VIII – atuar em favor da universalização e do aprimoramento da educação básica, mediante a formação e a capacitação de profissionais, a realização de pesquisas pedagógicas e o desenvolvimento de atividades de extensão que aproximem os dois níveis escolares. ” (NR)
Há contradições entre as políticas públicas nacionais e as sugestões da academia sobre o ensino/aprendizado de LE. O mesmo percebe-se ao compararmos os documentos brasileiros com uma matriz de referência internacional. Como afirma Vera Lúcia Paiva (2003), a política nacional para o ensino de LE se limita à aprovação da legislação e à publicação dos PCNs. A ausência de reflexão sobre o processo de ensino de LE promove diretrizes ineficazes.
A língua é um dos veículos responsáveis por transmitir a nossa cultura e junto com ela os seus valores. O aprendizado de uma segunda língua durante a formação escolar, proporciona ao aluno um maior envolvimento com os conhecimentos. Os métodos e as abordagens, as maneiras como os professores se relacionam com o ensino, passam – não só, mas obrigatoriamente – pelas diretrizes estabelecidas no sistema educacional
O domínio completo da língua inglesa requer o desenvolvimento das habilidades comunicativas listening, speaking, reading e writing (audição, fala, leitura e escrita); em nossas atividades diárias, nem todas essas habilidades podem ser requisitadas em um grau alto de proficiência. O que fazemos, na maioria das vezes, é compreender textos em inglês, seja para obter informações na internet, compreender literatura técnica especializada ou desempenhar outras funções rotineiras. As metodologias a serem escolhidas precisam atentar para as necessidades do aluno enquanto usuário de uma língua estrangeira. Os métodos, diz José Carlos Almeida Filho (1998), são as distintas e reconhecíveis práticas de ensino de línguas com seus respectivos correlatos, a saber, o planejamento das unidades, os materiais de ensino produzidos e as formas de avaliação do rendimento dos aprendizes. O professor deve escolher as práticas para se abordar na sala de aula, com materiais e atividades que possam ajudar no momento da aprendizagem, bem como na apreciação do resultado final da turma.
Para que isso aconteça, o professor precisa fazer uma análise crítica dos seus objetivos (ligados aqui ao que chamamos de padrões de aprendizado) e, assim, fazer as intervenções necessárias nas práticas, buscando melhorá-las. Portanto, há a preocupação não só do professor estar bem preparado, do ambiente em que vai se desenvolver o ensino aprendizagem da LE, mas, sobretudo, dos objetivos de aprendizagem sugeridos pelas diretrizes referenciais.
A metodologia ora escolhida interessa-se por buscar paradigmas, i.e., referenciais teóricos, que validam – ou refutam – as hipóteses levantadas a partir da pesquisa exploratória. A análise dos padrões de aprendizagem nas matrizes de referência para ensino de LE imprime, além da revisão literária através de pesquisa bibliográfica, a necessidade de levantar hipóteses sobre seus usos nos diversos contextos, em especial no contexto do sistema educacional brasileiro.
CAPÍTULO I – O ENSINO DE LÍNGUA ESTRANGEIRA NO BRASIL
HISTÓRICO
A inclusão do ensino de Língua Estrangeira (LE) nas escolas brasileiras ocorreu, oficialmente, em 1855 (SEE/SP, 2011). Resumidamente, duas linhas metodológicas no ensino de LE se destacaram nesse período: uma com abordagem estruturalista e outra de ênfase comunicativa. De modo que possamos entender as sugestões metodológicas atuais, precisamos entender essas duas linhas e as práticas decorrentes delas.
No modelo estruturalista de ensino de língua, o conhecimento do sistema de regras normativas é essencial e se coloca como principal eixo a partir do qual as habilidades são treinadas. Conforme descreve o Currículo do Estado de São Paulo para linguagens, códigos e suas tecnologias (p. 107):
(…) os conteúdos relacionados à descrição da estrutura da língua constituíam os eixos organizativos do currículo, confinando o estudo do léxico a mero objeto para o preenchimento de lacunas das estruturas estudadas. Os textos, quando trabalhados, eram vistos como coletâneas de frases em que havia o predomínio da estrutura gramatical em estudo. Explicitações de regras, tais como a formação de tempos verbais, seguidas de exercícios de aplicação das regras, no geral, descontextualizados, eram procedimentos trabalhados à exaustão.
A abordagem comunicativa, por sua vez, concentra-se nos usos da linguagem, tais como: cumprimentar, trocar informações pessoais, perguntar e responder sobre acontecimentos. De acordo com o Currículo do Estado de São Paulo para linguagens, códigos e suas tecnologias, essas funções buscavam, em última instância, uma teatralização da vida. Além disso, a ênfase comunicativa, apesar de propor o trabalho com as quatro habilidades – ler, falar, ouvir e escrever – colocava a prática oral e o desenvolvimento da fluência no centro das atenções, tratando as demais habilidades como instâncias de prática complementar aos conteúdos apresentados e praticados oralmente.
É sabido que com o desenvolvimento tecnológico e com o desenvolvimento dos estudos da linguagem, novas maneiras de comunicação surgiram possibilitando trocas de experiências pessoais, comerciais e culturais em novos contextos. Desse modo, a ênfase comunicativa que, na prática, parcamente se introduziu nas escolas, ou ficou reduzida ao ensino de algumas functions, ou seja, de situações comunicativas fortemente influenciadas pelo estruturalismo, cede, atualmente, espaço para uma terceira orientação que enfatiza os letramentos múltiplos:
Pode-se afirmar que as ênfases estruturalista e comunicativa se confrontavam em ideias e conceitos. Já a orientação baseada no letramento pretende promover autonomia intelectual e maior capacidade de reflexão dos alunos.
A ESTRUTURAÇÃO DO ENSINO DE LE NO BRASIL
As três instâncias da federação possuem autonomia para articulação de regulamentos na Educação Básica. Talvez por isso encontramos acepções conflitantes nos documentos nacionais. A esfera federal é responsável e se manifesta através de marcos como a Constituição Federal, a Lei de Diretrizes e Bases, os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), a matriz do ENEM, do SAEB e, atualmente, a Base Comum; as esferas estaduais e municipais se manifestam através das diretrizes das secretarias de Educação dos Estados e municípios, como Sistema de Avaliação do Rendimento Escolar do Estado de São Paulo (SARESP) que possui matriz própria divergente em alguns pontos das referências nacionais.
A Constituição brasileira garante, como princípio, o acesso à educação básica. Contudo, não rege seu estabelecimento. Este papel cabe à Lei de Diretrizes e Bases (LDB), cuja versão atual data de 1996. A LDB estabelece as responsabilidades das três esferas, fragmentando (ou “descentralizando” – eufemismo do texto oficial) as tarefas e a gestão dos sistemas de ensino. Por um lado, tal fragmentação legitima autonomia para que Estados e municípios desenvolvam localmente seus programas educacionais. Por outro, a LDB fomenta conflitos de práticas. Os PCNs, por sua vez, buscam orientar as secretarias de educação estaduais e municipais com sobre o que deve ser privilegiado nos componentes curriculares, “sugerindo” (e não tornando obrigatório, por isso são “parâmetros”) os conhecimentos importantes para as séries.
Ainda na esfera federal, decisões são tomadas sobre a indicação de materiais didáticos para possível adoção nos estados e municípios. Essa é a função do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), que oferece acesso aos materiais a todas as escolas públicas. Somente em 2011, o inglês entrou para o programa com uma lista de livros sugeridos, da qual se destacam pelo maior uso: “English for All”, “Globetrekker”, “On Stage”, “Prime”, “Take Over” e “Upgrade”.
Desde que sigam as diretrizes dos PCNs e da LDB, os Estados e municípios estão livres para tomar a maior parte das decisões sobre a oferta de Educação Básica – e em especial da língua estrangeira, como a escolha da língua que será ensinada, o número de aulas de língua estrangeira por semana, a duração de cada aula, a grade curricular, as habilidades que serão trabalhadas, bem como outras características da oferta de línguas. O ensino da língua estrangeira pertence à parte diversificada da Base Curricular Comum, o que significa que deve ser adaptado às realidades regionais, sendo que algumas redes optam por não oferecer língua inglesa (optando, ao invés disso, por oferecer o ensino de outras línguas).
O fato de pertencer à parte diversificada faz com que a língua estrangeira seja menos regulamentada e muitas vezes considerada complementar dentro do currículo escolar. Esta situação confere à LE um papel marginal na grade curricular, o que pode ser percebido pela carga horária menor, quando comparada à de outras disciplinas.
Um estudo inédito de 2015 intitulado “O Ensino de Inglês na Educação Pública Brasileira”, organizado pelo Instituto de Pesquisa Plano CDE para o British Council, procurou mapear as características fundamentais do ensino da língua inglesa na Educação Básica da rede pública brasileira. O estudo contextualizou o ensino de LE, ilustrando as políticas públicas atuais e as diversas práticas pedagógicas, concluindo que a falta de orientações claras para o desenvolvimento desse componente – desde metodologia até capacitação docente – compromete seriamente a eficácia do ensino, por exemplo, de Língua Inglesa na rede pública. A pesquisa aponta uma das razões do fracasso do ensino de LE (pág. 7):
Na esfera federal não há nenhuma lei ou diretriz que defina a obrigatoriedade do ensino de inglês. A LDB determina o ensino de ao menos uma língua estrangeira no Ensino Fundamental II e no Ensino Médio, mas a definição de qual língua será ensinada fica a cargo da comunidade escolar ou da Secretaria estadual ou municipal de Ensino. Isso faz com que muitas escolas não tenham a oferta da língua inglesa aos seus alunos, o que ajuda a compor a baixa proficiência dos alunos brasileiros.
Tímidas iniciativas buscam compensar a baixa proficiência dos alunos da rede pública em língua estrangeira. Alguns Estados oferecem aulas de inglês adicionais nos Centros de Línguas, como parte de atividades extracurriculares. As turmas dos Centros de Línguas, são formadas a partir do nível de proficiência do aluno, e não pela série/ano em que estudam, de maneira muito semelhante aos institutos privados de ensino de línguas.
Esse cenário, aliado a outros elementos que serão descritos nesse Capítulo I, dificulta a implementação de processos de avaliação e mensuração do ensino de LE em nível nacional. Neste capítulo, traçaremos as diretrizes para LE nos documentos de referências nacionais: os Parâmetros Curriculares Nacionais, a matriz do Exame Nacional do Ensino Médio, a Base Nacional Comum Curricular e um exemplo de matriz estadual (nesse caso, o Estado de São Paulo).
DA COMPETÊNCIA, DA HABILIDADE E DO CONHECIMENTO
Antes, porém, de ingressarmos nos objetos de estudo desta monografia, é imprescindível caracterizar a fundamentação argumentativa de que falta às diretrizes brasileiras uma orientação mais clara com relação aos conteúdos e, consequentemente, com relação às expectativas de aprendizado para LE.
As diretrizes nacionais promovem competências cujo compromisso é o de articular as disciplinas e as atividades escolares com aquilo que se espera que os alunos aprendam ao longo dos anos (por isso o termo que usamos “expectativa” de aprendizado). Entendemos, então, que a atuação do professor, os conteúdos, as metodologias disciplinares e a aprendizagem requerida dos alunos são aspectos indissociáveis: compõem um sistema ou rede cujas partes têm características e funções específicas que se complementam para formar um todo. A esse todo denominamos currículo.
Segundo a Proposta curricular do Estado de São Paulo (SEE/SP, 2008), um currículo referido a competências supõe que se aceite o desafio de promover os conhecimentos próprios de cada disciplina articuladamente às competências e habilidades do aluno. É com essas competências e habilidades que ele contará para fazer sua leitura crítica do mundo, para compreendê-lo e propor explicações, para defender suas ideias e compartilhar novas e melhores formas de ser, na complexidade em que hoje isso é requerido. É com elas que, em síntese, ele poderá enfrentar problemas e agir de modo coerente em favor das múltiplas possibilidades de solução ou gestão. Tais competências e habilidades podem ser consideradas em uma perspectiva geral, isto é, no que têm em comum com as disciplinas e tarefas escolares, ou então no que têm de específico. Competências, neste sentido, caracterizam modos de ser, raciocinar e interagir que podem ser depreendidos das ações e das tomadas de decisão em contextos de problemas, tarefas ou atividades.
A tríade sobre a qual competências e habilidades são desenvolvidas pode ser assim caracterizada: a) o adolescente e as características de suas ações e pensamentos; b) o professor, suas características pessoais e profissionais e a qualidade de suas mediações; e c) os conteúdos das disciplinas e as metodologias para seu ensino e aprendizagem.
Houve um tempo em que a educação escolar era referenciada no ensino – o plano de trabalho da escola indicava o que seria ensinado ao aluno. Essa foi uma das razões pelas quais o currículo escolar foi confundido com um rol de conteúdos disciplinares. A Lei de Diretrizes e Bases – LDB (lei 9394/1996) deslocou o foco do ensino para o da aprendizagem, e não é por acaso que sua filosofia não é mais a da liberdade de ensino, mas a do direito de aprender.
Essa prerrogativa amparada pela LDB deu lugar a uma interpretação errônea de que os conteúdos deveriam ficar de fora das indicações de referência. Como observamos a seguir, os documentos nacionais feitos a partir de 1998, como os PCNs, por exemplo, são excludentes quando se trata de abordar o que deve ser ensinado nas diversas áreas do conhecimento. Ou seja, são elaborados a partir de competências e habilidades desejáveis, apenas, sem ligação das mesmas com os objetos do conhecimento.
Entendemos que os objetos do conhecimento (os conteúdos) têm papel integrante, junto com as habilidades e a predisposição do aluno em aprender (atitude), na construção da competência, conforme ilustra a Figura 1, retirada de BRANDÃO; GUIMARÃES, 2001, p.10:
(FIGURA 1 – As três dimensões da competência)
Nessa perspectiva, é fundamental diferenciar competência de habilidade. A competência é um conjunto de esquemas de percepção, pensamento, avaliação e ação, enquanto a habilidade é menos ampla e pode servir a várias competências. Perrenoud (1999, p.7) acredita que “para enfrentar uma situação da melhor maneira possível deve-se, de regra, pôr em ação e em sinergia vários recursos cognitivos complementares, entre os quais estão os conhecimentos”. O aspecto central da teoria de Perrenoud é o conceito de competência. Para esse autor, competência é a faculdade de mobilizar um conjunto de recursos cognitivos (saberes, capacidades, informações etc.) para solucionar com pertinência e eficácia uma série de situações.
Essas considerações são importantes para entendermos os elementos presentes – e ausentes – nas matrizes nacionais. O conceito de competências também é fundamental na LDB e nas Diretrizes e Parâmetros Curriculares Nacionais, elaboradas pelo Conselho Nacional de Educação e pelo Ministério da Educação. O currículo referenciado em competências é uma concepção que requer que a escola e o plano do professor indiquem o que aluno vai aprender, sem qualquer direcionamento ou mesmo indicadores de desempenho em nível nacional.
CAPÍTULO II – REFERENCIAIS NACIONAIS DE ENSINO PARA LÍNGUA ESTRANGEIRA
OS PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional prevê o componente Língua Estrangeira como disciplina obrigatória, a partir do sexto ano. A aprendizagem de LE deve contribuir no desenvolvimento educacional, indo muito além da aquisição de um conjunto de habilidades linguísticas (normas gramaticais e vocabulário).
O aluno atuante do mundo globalizado, deve ser capaz de se comunicar em uma ou mais língua estrangeira. O bom desempenho nas habilidades comunicativas, em mais de uma língua, é crítico nessa sociedade da informação. Para acesso mais igualitário ao mundo acadêmico, ao mundo dos negócios e ao mundo da tecnologia etc., é indispensável que o ensino de Língua Estrangeira seja entendido e concretizado como o ensino que oferece instrumentos indispensáveis de trabalho. Essa perspectiva de pluralismo linguístico (plurilingualism) embasa os PNCs para língua estrangeira. Percebemos, porém, que o direcionamento do PCN relaciona ao uso que se faz de Língua Estrangeira via leitura, prioritariamente.
Com exceção da situação específica de algumas regiões turísticas ou de algumas comunidades plurilíngues, o uso de uma língua estrangeira parece estar, em geral, mais vinculado à leitura de literatura técnica ou de lazer. Os únicos exames formais em Língua Estrangeira (ENEM, vestibular e admissão a cursos de pós-graduação) requerem o domínio da habilidade de leitura, apenas. Portanto, a leitura atende, por um lado, às necessidades da educação formal, e, por outro, é a habilidade que o aluno pode usar em seu contexto social imediato. Além disso, a aprendizagem de leitura em Língua Estrangeira pode ajudar o desenvolvimento integral do letramento do aluno. A leitura tem função primordial na escola e aprender a ler em outra língua pode colaborar no desempenho do aluno como leitor em sua língua materna.
Ao mesmo tempo em que essa habilidade contempla requisitos de exame e requisitos da competência leitora, a exclusão de outras três habilidades – falar, ouvir e escrever – inibe que os alunos façam uso da LE para os diversos propósitos comunicativos.
É frustrante – e vergonhoso também – ler nos documentos oficiais que as condições (precárias, subentende-se) da maioria das escolas públicas brasileiras e a formação do professor de LE sejam limitadores metodológicos, fazendo com que uma abordagem mais comunicativa não aconteça. Veja o que diz os Parâmetros Curriculares Nacionais do terceiro e quarto ciclos do ensino fundamental para língua estrangeira, na página 21 (grifo nosso):
Deve-se considerar também o fato de que as condições na sala de aula da maioria das escolas brasileiras (carga horária reduzida, classes superlotadas, pouco domínio das habilidades orais por parte da maioria dos professores, material didático reduzido a giz e livro didático etc.) podem inviabilizar o ensino das quatro habilidades comunicativas. Assim, o foco na leitura pode ser justificado pela função social das línguas estrangeiras no país e também pelos objetivos realizáveis tendo em vista as condições existentes.
Obviamente, as duas questões teóricas que ancoram os parâmetros de Língua Estrangeira não apoiam a justificativa que lemos acima pela preferência do ensino de leitura: uma visão sociointeracional da linguagem e da aprendizagem. O enfoque sociointeracional da linguagem indica que, ao se engajarem no discurso, as pessoas consideram aqueles a quem se dirigem ou quem se dirigiu a elas na construção social do significado – a linguagem é usada no mundo social como reflexo de crenças, valores e projetos políticos. No que se refere à visão sociointeracional da aprendizagem, os processos cognitivos têm uma natureza social, sendo gerados por meio da interação entre um aluno e um parceiro mais competente.
Assim, conforme também indicam os PCNs (MEC/SEF, 1998), a aprendizagem de uma língua estrangeira deve garantir ao aluno seu engajamento discursivo, ou seja, a capacidade de se envolver e envolver outros no discurso. Isso pode ser viabilizado em sala de aula por meio de atividades pedagógicas centradas na constituição do aluno como ser discursivo, ou seja, sua construção como sujeito do discurso via Língua Estrangeira.
A pergunta que fazemos ao lermos os PCNs é a seguinte: quais conteúdos e procedimentos em LE que os alunos devem dominar na educação básica? Mais uma vez, encontramos proposições soltas, que não fazem conexão entre a habilidade a ser desenvolvida e o conteúdo conceitual aplicado. Observe a seguir a expectativa de aprendizado para LE ao final do Ensino Fundamental quanto à compreensão escrita. O aluno deverá ser capaz de:
- demonstrar compreensão geral de tipos de textos variados,
- apoiado em elementos icônicos (gravuras, tabelas, fotografias, desenhos) e/ou em palavras cognatas;
- selecionar informações específicas do texto;
- demonstrar conhecimento da organização textual por meio do reconhecimento de como a informação é apresentada no texto e dos conectores articuladores do discurso e de sua função enquanto tais;
- demonstrar consciência de que a leitura não é um processo linear que exige o entendimento de cada palavra;
- demonstrar consciência crítica em relação aos objetivos do texto, em relação ao modo como escritores e leitores estão posicionados no mundo social;
demonstrar conhecimento sistêmico necessário para o nível de conhecimento fixado para o texto.
Verificamos, então, que os parâmetros não abordam os conteúdos para cada série do ensino fundamental; somente nos livros didáticos temos o conteúdo explicitado e – a depender da adoção das escolas – os livros trazem conteúdos diversos. Tomando como exemplo somente o item 3 acima, nos perguntamos: quais são os conectores articuladores do discurso? A resposta pode ser encontrada no material didático: escolas que adotam determinado livro encontram, nas unidades do sexto ano, por exemplo, os conectivos “and”, “but” e “because”; outras escolas, com outros materiais, podem apresentar outros conectivos.
Uma vez que o professor descobre quais são os conectivos (ou conectores, como escrito nos PCNs, outra pergunta ainda mais central o acomete: como avaliar se o aluno é capaz de “3. demonstrar conhecimento da organização textual por meio do reconhecimento de como a informação é apresentada no texto e dos conectores articuladores do discurso e de sua função enquanto tais”?
Evidencia-se a falta de clareza nas contradições entre a opção priorizada e os conteúdos e atividades sugeridos. Essas contradições aparecem também no que diz respeito à abordagem escolhida. Reafirmamos, assim, que aquilo que é esperado que o aluno saiba em LE não reflete os usos que um aprendiz de um idioma estrangeiro pode ter em situações reais de comunicação.
MATRIZ DE COMPETÊNCIAS E HABILIDADES DO EXAME NACIONAL DO ENSINO MÉDIO
O Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) foi criado em 1998 com o objetivo de avaliar o desempenho do estudante ao fim da educação básica, buscando contribuir para a melhoria da qualidade desse nível de escolaridade. A partir de 2009, passou a ser utilizado também como mecanismo de seleção para o ingresso no ensino superior.
O ENEM objetiva, ainda, contribuir para a democratização do acesso às vagas oferecidas por Instituições Federais de Ensino Superior (IFES), para a mobilidade acadêmica e para induzir a reestruturação dos currículos do ensino médio. Respeitando a autonomia das universidades, a utilização dos resultados do Enem para acesso ao ensino superior pode ocorrer como fase única de seleção ou combinado com seus processos seletivos próprios.
Acreditamos que o exame tem cumprido seu papel em relação aos três primeiros objetivos: por meio da teoria de resposta ao item, o teste é bem calibrado e apresenta um diagnóstico plausível do desempenho dos estudantes; efetivamente torna o acesso mais democrático como sendo um único instrumento avaliativo para todos; e vem contribuindo para a mobilidade acadêmica – a saber, atualmente treze instituições portuguesas de ensino superior utilizam o resultado do ENEM para aceitação de estudantes brasileiros em seus cursos de graduação.
No entanto, o exame falha ao propor a reestruturação dos currículos para o ensino médio. A matriz referencial do exame limita bastante as habilidades desejáveis e omite-se ao propor um rol de conteúdos comuns. Vamos explicitar agora sua estrutura para ilustrar nosso ponto. Os conteúdos são definidos a partir de quatro áreas do conhecimento:
- Linguagens, códigos e suas tecnologias, que abrange o conteúdo de Língua Portuguesa (Gramática e Interpretação de Texto), Língua Estrangeira Moderna, Literatura, Artes, Educação Física e Tecnologias da Informação.
- Matemática e suas tecnologias.
- Ciências da Natureza e suas tecnologias, que abrange os conteúdos de Química, Física e Biologia.
Ciências Humanas e suas tecnologias, que abrange os conteúdos de Geografia, História, Filosofia, Sociologia e conhecimentos gerais.
Atendo-nos, para fins desta monografia, somente ao estudo de conteúdos para LE, verificamos que os mesmos se enquadram na área 1. Linguagens, códigos e suas tecnologias. Mais precisamente, na competência 2: conhecer e usar língua(s) estrangeira(s) moderna(s) como instrumento de acesso a informações e a outras culturas e grupos sociais. Abaixo, elencamos as habilidades para LE:
H5 – Associar vocábulos e expressões de um texto em LEM ao seu tema.
H6 – Utilizar os conhecimentos da LEM e de seus mecanismos como meio de ampliar as possibilidades de acesso a informações, tecnologias e culturas.
H7 – Relacionar um texto em LEM, as estruturas linguísticas, sua função e seu uso social.
H8 – Reconhecer a importância da produção cultural em LEM como representação da diversidade cultural e linguística.
Ao analisarmos o item H6 entendemos que os conhecimentos da língua estrangeira moderna não estão devidamente identificados na matriz. Também percebemos uma dificuldade subjetiva na aferição da habilidade 8 que busca reconhecer a importância da produção cultural em LE.
As habilidades elencadas no ENEM não fornecem informações suficientes para se delinear um currículo de língua estrangeira para séries do ensino médio. Sobretudo porque lhes falta clareza nos descritores para que funcionem como objetivos de aprendizagem, elucidando em si próprios as expectativas em relação ao desempenho do aluno enquanto usuários de uma LE.
A BASE NACIONAL COMUM CURRICULAR
Em junho de 2014, o Congresso Nacional aprovou o Plano Nacional de Educação (PNE). Entre suas estratégias para a consecução de uma educação básica de qualidade e com um adequado fluxo, está o estabelecimento de uma “base nacional comum curricular”, organizada em torno da proposição, “para cada ano” (p. 28) dos níveis fundamental e médio, de “direitos e objetivos de aprendizagem e desenvolvimento para os(as) alunos(as)”, (p. 13).
Antes da aprovação do PNE, a discussão sobre a existência de uma Base Nacional Comum (doravante BNC) causou polêmica. A discussão se estende hoje, após sua aprovação, com diferentes grupos disputando, na esfera do debate educacional, as finalidades e a natureza de uma BNC.
Por um lado, muitos dos opositores a uma forte centralização e padronização expressa por um currículo nacional admitem a possibilidade de uma orientação curricular central desde que constituída por um mínimo de – aqui a terminologia é movediça – “expectativas”/ “conteúdos” / “direitos de aprendizagem” / “objetivos”, e com a condição que se contemple a diversidade cultural que caracteriza o país, bem como a diversidade de práticas e experiências pedagógicas existentes. Por outro lado, muitos dos favoráveis a um currículo nacional fazem também a mesma ressalva – isto é, admitem essa centralização e padronização desde que seja relativamente branda: deve apresentar um mínimo de “conteúdos” e contemplar a questão da diversidade. Disso resulta um consenso: que o conjunto de “conteúdos” mínimos e o respeito à diversidade sejam os norteadores da base comum.
Quanto à extensão do currículo, duas grandes posições se desdobram sobre a existência de um rol de conteúdo: a do “núcleo mínimo” e a do “núcleo comum”. Esta diferenciação remete à extensão dos “conteúdos” que seriam objeto de padronização nacional. Os que defendem um “núcleo comum” consideram que este não deve contemplar apenas o mínimo de conhecimento necessário, uma vez que este acabaria se tornando a totalidade do currículo nas regiões em que as escolas são mais precárias. Os que defendem um “núcleo mínimo” estão preocupados a situação das escolas e redes públicas de ensino frente ao quadro das avaliações de larga escala: o foco em resultados levaria essas escolas e redes ao abandono de temas locais e significativos porque geraria, a priorização dos conteúdos relativos a habilidades mais diretamente cobradas nos testes.
De acordo com BATISTA et al (2015), ambos posicionamentos, porém, parecem partir de um mesmo princípio: o conhecimento, compreendido como um bem de natureza universal que deve ser igualmente distribuído. Há certa uniformidade na defesa por um currículo nacional baseado num núcleo composto por conhecimentos comuns, mas que respeita a diversidade.
Desde os anos 1990, progressivamente, as avaliações em larga escala fazem um controle do currículo exercido em nível nacional. Elas teriam promovido não apenas uma definição de conhecimentos a ensinar, mas também uma radical redução do currículo, do conjunto de conhecimentos, de valores, de modos de ser e de fazer envolvidos no processo educativo, a um conjunto de competências a serem desenvolvidas. Essas competências, por sua vez, foram reduzidas a capacidades abstratas de leitura e matemática e, ao se estabelecer uma estreita relação entre sua aquisição e uma idade ou um período da escolarização, contribuído para a exclusão ou para a estigmatização dos alunos que, muito afastados do universo escolar, não alcançavam essas “expectativas”.
Adotar uma base curricular comum é fundamental para reduzir as desigualdades educacionais de uma nação. Ao definir o que é essencial ao ensino de todos os alunos em cada uma das etapas da vida escolar, as expectativas de aprendizado e critérios de qualidade ganham transparência e podem ser aplicadas e cobradas com maior eficiência. Além disso, ter um currículo nacional permite que as escolas possam trocar boas práticas educacionais e até reduzir custos, já que materiais didáticos serão desenvolvidos e adquiridos em maior escala. É importante destacar que a base pretende se concentrar no que os estudantes precisam aprender e não em como ensinar, função que segue sendo responsabilidade irrevogável de professores e gestores.
Os alunos, por sua vez, terão garantidos o direito de aprender um conjunto essencial de conhecimentos e habilidades onde quer que estejam, de norte a sul do país. Neste sentido, parte do currículo poderá ser preenchido com assuntos locais, o que também faz da base um instrumento efetivo da preservação e valorização da cultura regional dos quatro cantos do Brasil.
Por fim, a adoção de um currículo único também ajudará o país a definir, como nação, o que quer que seus jovens aprendam. Hoje, quem define isso são os índices dos livros didáticos e as avaliações padronizadas, como a Prova Brasil, os exames de vestibulares e o Enem, já que as escolas definem o que vão ensinar a partir do que é cobrado nestas provas. Com a base nacional, são as provas que terão que se adaptar ao ensino.
Nesse sentido, o Ministério da Educação (MEC) iniciou a redação do documento em 2015, em colaboração com membros das secretarias municipais e estaduais de educação, acadêmicos especialistas nas disciplinas e professores da Educação Básica. Em setembro daquele ano, o documento foi aberto para que qualquer cidadão pudesse fazer comentários, sugestões ou críticas. A segunda versão da Base, redigida de acordo com essas contribuições e com o debate público, foi apresentada em maio deste ano. O texto foi analisado entre junho e agosto em seminários realizados em todos os estados. As contribuições advindas dos seminários foram sistematizadas em um relatório. De acordo com o MEC, a terceira versão do texto da Base será entregue ao Conselho Nacional de Educação (CNE) em novembro de 2016. Ainda não é possível prever quando a Base Nacional Comum entrará efetivamente em vigor.
Ilustraremos aqui a matriz de LE que consta da segunda versão da BNC. Assim como nos PCNs e na matriz do ENEM, o componente LE faz parte da área de Linguagens, junto com língua portuguesa, arte e educação física. A BNC considera na área de linguagens os conhecimentos relativos à atuação dos sujeitos em práticas de linguagem, nas diversas esferas da comunicação humana, da linguagem informal à modalidade formal que algumas situações exigem. Esses conhecimentos possibilitam mobilizar e ampliar recursos expressivos, para construir sentidos com o outro em diferentes campos de atuação, e compreender como o ser humano se constitui como sujeito e como age no mundo social em interações mediadas por palavras, imagens, sons, gestos e movimentos.
Não verificamos avanço da BNC, em relação aos documentos descritos anteriormente neste Capítulo I, na elaboração de objetivos de aprendizagem e desenvolvimento que privilegiam os usos de língua estrangeira, em uma progressão organizada a partir de práticas sociais e de interação com textos e temas que podem constituir essas práticas. As temáticas a serem tratadas em língua estrangeira se relacionam aos eixos de formação e temas integradores da BNC, e as práticas sociais se articulam com as do componente Língua Portuguesa, a partir da perspectiva comum de uso da língua em práticas sociais e da opção pelo texto e pelos modos de interação com ele fazendo uso das quatro habilidades (escuta, leitura, oralidade e escrita) como centrais para a construção dos objetivos de aprendizagem.
As práticas sociais que organizam os objetivos de aprendizagem e desenvolvimento em LEM na BNC são: práticas da vida cotidiana, práticas artístico-literárias, práticas político-cidadãs, práticas investigativas, práticas mediadas pelas tecnologias digitais, e práticas do mundo do trabalho.
Observemos, como amostragem, o que a BNC classifica como “objetivos de aprendizagem em LE” do domínio “práticas da vida cotidiana” para alunos do ensino médio:
(EM20LI01) Interagir por meio de textos em língua estrangeira sobre questões de interesse do jovem ou do adulto, identificando e expressando posicionamentos, conflitos, valores e visões de mundo, apropriando-se de recursos linguístico-discursivos e culturais para compreender e expor ideias, argumentos e contra-argumentos.
(EM20LI02) Compreender diversas formas de convívio, apropriando-se de recursos linguístico-discursivos e culturais para se posicionar frente a eles.
(EM20LI03) Interagir por meio de textos em língua estrangeira sobre projetos de vida, apropriando-se de recursos linguístico-discursivos e culturais para expressar projetos, expectativas e sugestões para lidar com desafios de ser jovem ou adulto na atualidade.
(EM20LI04) Relacionar formas de convívio com demandas da atualidade, apropriando-se de recursos linguístico-discursivos e culturais para se posicionar frente a possíveis mudanças pessoais e coletivas.
Nenhum dos “objetivos” elencados acima apropria-se de elementos discursivos para clarificar de que maneira o aluno deve demonstrar as habilidades de “interagir”, “relacionar” e “compreender” no uso efetivo da linguagem. Tomando como exemplo item (EM20LI03) que explicita a habilidade do aluno em expressar projetos, expectativas e sugestões, não temos os elementos linguísticos que tornam essa habilidade possível, a saber, em inglês, uso do futuro simples com will, estruturas com wish, estruturas com verbos modais (should, could). Ora, sem a presença de tais elementos funcionais e de tópico frasal (ausentes no descritor), o denominado “objetivo de aprendizagem” (EM20LI03) é ineficaz em sua intenção de aferir apropriadamente o que é esperado que o aluno seja capaz de fazer em LE.
Do mesmo modo que apontamos nos PCNs e na matriz do ENEM, estamos aqui diante de uma subjetividade conceitual que delega, em última instância, às redes de ensino e ao professor (que por sua vez delegam aos materiais didáticos) o papel de criador de um currículo que sustente a rotina de atividades em sala de aula.
MATRIZ CURRICULAR DE LÍNGUA INGLESA DO ESTADO DE SÃO PAULO
Embora se restrinja apenas ao Estado de São Paulo, incluímos a matriz paulista no rol de diretrizes nacionais para ilustrar um modelo que julgamos mais adequado, uma vez que contempla as habilidades a partir de conteúdos específicos para as séries a partir do sexto ano.
A Secretaria de Educação do Estado de São Paulo garante uma base comum de conhecimentos e competências, para que as escolas funcionem de fato como uma rede. Além de um currículo comum, a matriz reforça a proposta curricular, formada por um conjunto de documentos dirigidos especialmente aos professores. São os “Cadernos do Professor”, organizados por bimestre e por disciplina. Neles, são apresentadas situações de aprendizagem para orientar o trabalho do professor no ensino dos conteúdos disciplinares específicos. Esses conteúdos, habilidades e competências são organizados por série e acompanhados de orientações para a gestão da sala de aula, para a avaliação e a recuperação, bem como de sugestões de métodos e estratégias de trabalho nas aulas, experimentações, projetos coletivos, atividades extraclasse e estudos interdisciplinares.
Em relação à disciplina de Língua Estrangeira Moderna, importa construir um conhecimento sistêmico sobre a organização textual e sobre como e quando utilizar a linguagem em situações de comunicação. Observamos na matriz do Estado de São Paulo uma distribuição coerente que auxilia os professores em seus planejamentos ao indicar um contexto apropriado para que as habilidades sejam inseridas e devidamente praticadas a partir de elementos linguísticos específicos.
Como ilustração, apresentamos os itens abaixo sugeridos para um bimestre letivo de Inglês no nono ano do ensino fundamental:
Tema: O mundo ao meu redor e minha vida daqui a dez anos.
Habilidades (espera-se que o aluno seja capaz de fazer):
Previsões para o futuro pessoal e coletivo;
Relação entre mudanças e aspectos da vida pessoal e social.
Linguagem (espera-se que o aluno conheça):
Advérbios e expressões adverbiais de tempo;
Estudo dos adjetivos (formas comparativas);
Tempo verbal: futuro (will, there will be);
Estruturas verbais: hope to; wish to, would like to.
Gêneros para leitura e escrita: depoimentos, excertos de artigos opinativos sobre o futuro.
Produção: relato autobiográfico organizado em três partes: apresentação pessoal, fatos marcantes e expectativas para o futuro.
Percebam que não se trata aqui de voltar ao modelo tradicional estruturalista de ensino de língua estrangeira que imperava no século IXX no qual o importante era “saber”; tampouco invoca-se o pragmatismo do “fazer” do século XX. A maneira que a matriz de referência estadual relaciona aquilo que é esperado que os alunos sejam capazes de fazer (habilidades, skills) com as ferramentas pelas quais eles constroem as habilidades (conteúdos, conhecimento, knowledge) e o contexto de uso (gêneros de leitura e de produção escrita) culmina no modelo de ensino por competências do século XXI.
Retomando a linha teórica de Perrenoud explicitada no Capítulo I e usando os exemplos acima retirados da matriz de São Paulo, podemos fazer as seguintes afirmações nesse caso: espera-se que o aluno seja competente para atuar em situações nas quais a temática é o mundo ao seu redor e sua vida daqui a dez anos. Para isso, é esperado que ele tenhaas habilidades de falar sobre o futuro pessoal e coletivo e relacionar as mudanças com aspectos da vida pessoal e social, utilizando advérbios e expressões adverbiais de tempo, adjetivos e as formas verbais will, there will be, hope to, wish to e would like to. O aluno pode demonstrar essa competência através da leitura e da escrita nos gêneros indicados e através da produção de um relato autobiográfico.
Com esse esquema de ordenamento curricular na matriz de referência de LE, a aferição do desempenho torna-se mais objetiva: verifica-se se o aluno se mostra competente (em níveis distintos) e se possui as habilidades referidas (também em níveis distintos), fazendo uso dos recursos linguísticos apresentados. Esse modelo é muito próximo da referência internacional para línguas, o Quadro Comum Europeu, que prioriza o sujeito como “usuário” da língua estrangeira em diferentes domínios (lazer, acadêmico, profissional).
CAPÍTULO III – O QUADRO COMUM EUROPEU
O Quadro Europeu Comum de Referência para as Línguas: Aprendizagem, ensino, avaliação (doravante CEFR, do inglês Common European Framework of Reference), de 2001, é um documento do Conselho da Europa, elaborado no âmbito do Projeto Políticas Linguísticas para uma Europa Plurilingue e Multicultural. nte reconhecimento dos níveis de competência alcançados (DGE, Portugal).
O CEFR fornece uma base comum para a elaboração de programas de línguas, linhas de orientação curriculares, exames, manuais, etc., na Europa. Descreve exaustivamente aquilo que os aprendizes de uma língua têm de aprender para serem capazes de comunicar nessa língua e quais os conhecimentos e habilidades que têm de desenvolver para serem eficazes na sua atuação. A descrição abrange também o contexto cultural dessa mesma língua. O CEFR define, ainda, os níveis de proficiência que permitem medir os progressos dos aprendizes em todas as etapas da aprendizagem e ao longo da vida
O Quadro foi escrito com dois objectivos principais:
1. Encorajar todos os que trabalham na área das línguas vivas, incluindo os aprendentes, a refletirem sobre questões como:
O que fazemos exactamente quando falamos ou escrevemos uns aos outros?
O que nos permite agir assim?
O que é que precisamos de saber a este respeito para tentarmos utilizar uma língua nova?
Como definimos os nossos objectivos e avaliamos o nosso progresso entre a ignorância total e o domínio efectivo da língua estrangeira?
Como se processa a aprendizagem da língua?
Que podemos fazer para nos ajudarmos a nós próprios e aos outros a melhor aprendermos uma língua?
2. Facilitar a troca de informação entre os que trabalham nesta área e os aprendentes, de modo a que estes possam ser informados sobre o que deles se espera, em termos de aprendizagem, e como poderão ser ajudados.
De acordo com estes princípios fundamentais, o documento encoraja todas as pessoas implicadas na organização da aprendizagem das línguas a basearem o seu trabalho nas necessidades, motivações, características e recursos dos aprendizes, significando isto ser capaz de responder a questões como: O que é que os aprendizes precisam de fazer com a língua? O que é que eles precisam aprender para serem capazes de usar a língua para esses fins? O que é que os leva a aprender? Quem são os aprendizes (idade, sexo, meio social e nível de educação, etc.)? Que saberes, capacidades e experiência possuem os professores? Que acesso têm a manuais, obras de referência (dicionários, gramáticas, etc.), suportes audiovisuais e informáticos? Quanto tempo podem (querem ou são capazes de) dedicar à aprendizagem de uma língua?
A partir desta análise da situação de ensino/aprendizagem, considera-se extremamente importante definir de forma clara e explícita os objetivos mais válidos e mais realistas em função das necessidades dos alunos, do ponto de vista das suas características e dos seus recursos. Desde sua criação e em especial na última década, muitas formas de utilização dessa matriz surgiram. Interessa-nos para fins dessa monografia em duas: 1 – a elaboração de programas de aprendizagem de línguas em termos de a) pressupostos, no que diz respeito a conhecimentos prévios e à sua articulação com as aprendizagens anteriores, especialmente nas interfaces entre os ciclos de educação básica; b) objetivos; e c) conteúdo. 2 – a planificação da certificação linguística em termos de a) conteúdo dos programas dos exames; e b) critérios de avaliação, construídos mais em termos de resultados positivos do que com o intuito de sublinhar as insuficiências.
O pressuposto que embasa essa matriz de referência internacional é o do uso de uma língua por indivíduos que precisam desenvolver um conjunto de competências gerais e, particularmente, competências comunicativas em língua. As pessoas utilizam as competências à sua disposição em vários contextos, em diferentes condições, sujeitas a diversas limitações, com o fim de realizarem atividades linguísticas que implicam processos linguísticos para produzirem e/ou receberem textos relacionados com temas pertencentes a domínios específicos. Para tal, ativam as estratégias que lhes parecem mais apropriadas para o desempenho das tarefas a realizar.
A competência comunicativa em língua compreende diferentes componentes: linguística, sociolinguística e pragmática. A competência linguística inclui os conteúdos e as estruturas lexicais, fonológicas e sintáticas, bem como outras dimensões da língua enquanto sistema, independentemente do valor sociolinguístico da sua variação e das funções pragmáticas e suas realizações. Este componente relaciona-se com a organização cognitiva e o modo como este conhecimento é armazenado (p. ex.: as redes associativas nas quais um falante coloca um item lexical) e com a sua acessibilidade (ativação, memória, disponibilidade).
A competência linguística, descrita assim como rol de conhecimentos da estrutura da língua que não podem ser vistos isolados do contexto de uso e das outras duas competências comunicativas – sociolinguística e pragmática – é inexistente nas matrizes federais brasileiras, como analisamos no Capítulo II. Assim como também são inexistentes descritores dos objetivos de aprendizagem que lidem com o desempenho do aluno em atividades linguísticas que incluam a recepção, a produção, a interação e a mediação.
Um dos objetivos do CEFR, como dito anteriormente, é propor ajudar os níveis de proficiência que sejam comuns e aceitos pelos exames de proficiência, de modo a facilitar a comparação entre diferentes sistemas de certificação. Foi com esta finalidade que foram concebidos o Esquema Descritivo e os Níveis Comuns de Referência. Na verdade, parece existir um consenso generalizado (ainda que não universal) sobre o número e a natureza dos níveis apropriados à organização da aprendizagem das línguas e a um reconhecimento público dos resultados:
- O Nível de Iniciação (Breakthrough) corresponde àquilo a que, na sua proposta, Wilkins chama “proficiência formulaica” (Formulaic Proficiency) e Trim “Proficiência introdutória” (Introductory);
- O Nível Elementar (Waystage) reflecte a especificação dos conteúdos em vigor no Conselho da Europa;
- O Nível Limiar (Threshold) reflecte a especificação dos conteúdos em vigor no Conselho da Europa;
- O Nível Vantagem (Vantage) reflecte a 3ª. especificação dos conteúdos do Conselho da Europa, um nível descrito por Wilkins como “Proficiência Operacional Limitada” (Limited Operational Proficiency) e por Trim como “resposta adequada a situações geralmente encontradas” (adequate response to situations normallyencountered);
- O Nível de Autonomia (Effective Operational Proficiency) designado por Trim como “proficiência eficaz” (Effective Proficiency) e por Wilkins como “proficiência operacional adequada” (Adequate Operational Proficiency); representa um nível avançado de competência apropriado à realização de tarefas e de trabalhos mais complexos;
- O Nível de Mestria (Mastery) [Trim: “mestria global” (comprehensive mastery); Wilkins “Proficiência Operacional Global” (Comprehensive OperationalProficiency) corresponde ao objetivo mais elevado dos exames da ALTE. Poderíamos ainda incluir aqui o nível mais elevado de competência intercultural, atingido por muitos profissionais de línguas.
Se observarmos os seis níveis, constatamos, no entanto, que correspondem às interpretações superiores ou inferiores da divisão clássica dos níveis Básico, Intermediário e Avançado. O sistema proposto adota o princípio em árvore dos “hipertextos”, partindo de uma divisão inicial em 3 níveis gerais A, B e C:
(FIGURA 2 – Níveis comuns de referência)
É comum resumir o conjunto de Níveis Comuns de Referência em parágrafos gerais, como está apresentado na TABELA 1 abaixo. Uma apresentação global e simplificada deste tipo facilitará a comunicação entre utilizadores não especialistas e oferecerá algumas linhas de orientação aos professores e aos que concebem os currículos.
Proficient User
C2
Can understand with ease virtually everything heard or read. Can summarise information from different spoken and written sources, reconstructing arguments and accounts in a coherent presentation. Can express him/herself spontaneously, very fluently and precisely, differentiating finer shades of meaning even in more complex situations.
C1
Can understand a wide range of demanding, longer texts, and recognise implicit meaning. Can express him/herself fluently and spontaneously without much obvious searching for expressions. Can use language flexibly and effectively for social, academic and professional purposes. Can produce clear, well-structured, detailed text on complex subjects, showing controlled use of organisational patterns, connectors and cohesive devices.
Independent
User
B2
Can understand the main ideas of complex text on both concrete and abstract topics, including technical discussions in his/her field of specialisation. Can interact with a degree of fluency and spontaneity that makes regular interaction with native speakers quite possible without strain for either party. Can produce clear, detailed text on a wide range of subjects and explain a viewpoint on a topical issue giving the advantages and disadvantages of various options.
B1
Can understand the main points of clear standard input on familiar matters regularly encountered in work, school, leisure, etc. Can deal with most situations likely to arise whilst travelling in an area where the language is spoken. Can produce simple connected text on topics, which are familiar, or of personal interest. Can describe experiences and events, dreams, hopes & ambitions and briefly give reasons and explanations for opinions and plans.
Basic User
A2
Can understand sentences and frequently used expressions related to areas of most immediate relevance (e.g. very basic personal and family information, shopping, local geography, employment). Can communicate in simple and routine tasks requiring a simple and direct exchange of information on familiar and routine matters. Can describe in simple terms aspects of his/her background, immediate environment and matters in areas of immediate need.
A1
Can understand and use familiar everyday expressions and very basic phrases aimed at the satisfaction of needs of a concrete type. Can introduce him/herself and others and can ask and answer questions about personal details such as where he/she lives, people he/she knows and things he/she has. Can interact in a simple way provided the other person talks slowly and clearly and is prepared to help.
(TABELA 1 – CEFR: Global Scale)
A elaboração de um conjunto de pontos de referência comuns não restringe, de maneira alguma, a organização do quadro dentro de propostas de culturas pedagógicas diversas. Ao contrário, há sistemas educacionais hoje que fazem uso dos seis níveis acima relacionando-os com cada ano de escolarização e adaptando subníveis. Em Portugal, por exemplo, a Portaria n.º 260‐A/2014 redefiniu a correspondência entre os níveis de proficiência do Quadro Europeu Comum de Referência para as Línguas e os anos de escolaridade. Dessa forma, houve uma adaptação dos níveis e a seguinte TABELA 2 entrou em vigor como referência para LE naquele país:
(TABELA 2 – Adaptação do Quadro Comum de Referência para Línguas em Portugal)
É sempre subjetivo estabelecer fronteiras entre níveis. Algumas instituições preferem níveis mais amplos, outras mais estreitos. A vantagem de uma abordagem em árvore é que um conjunto comum de níveis e/ou descritores pode ser dividido, nos níveis locais praticados, em diferentes pontos, por diferentes utilizadores, de forma a satisfazer necessidades locais e, contudo, manter uma relação com o sistema comum. Esta estrutura permite que se façam subdivisões sem perder de vista o objetivo principal estabelecido. Nesse sentido, sugerimos que as matrizes nacionais estabeleçam níveis comuns – que poderiam ser alinhados aos níveis usados pelos exames de proficiência internacionais (DELE, TOEFL, Cambridge, etc.).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Saber uma língua estrangeira não tem um fim em si mesmo; aprender línguas significa apoderar-se de uma ferramenta comunicativa para aquisição de conhecimento, trocas interacionais e acessibilidade. Talvez de maneira um pouco diferente do que ocorre com os tradicionais componentes curriculares, na aprendizagem de línguas o que se tem a aprender é seu pragmatismo. Assim, caracterizar os objetos de ensino de línguas significa caracterizar os seus usos sociais. Obviamente que, ao ensinar uma língua estrangeira, também é primordial passar uma compreensão do que é linguagem e estrutura na construção de significados semânticos em contextos de mundo diversos.
Muitos dos problemas observados no âmbito do ensino de LE são característicos do sistema público de ensino em geral, acometendo escolas municipais e estaduais por todo o país. As especificidades encontradas em tal sistema são indicativas de ambientes de vulnerabilidade social, sujeitos à violência dentro e fora dos muros, grande número de alunos por sala, turmas bastante heterogêneas, ausência de recursos didáticos, alunos com defasagem de leitura e escrita e funcionários insatisfeitos com seus vencimentos.
Essa monografia, no entanto, buscou explicitar que também nas políticas públicas que sancionam diretrizes, referenciais para o ensino de língua estrangeira há um problema grave na identificação dos objetivos de aprendizado, um conflito no relacionamento das parcas e ambíguas expectativas desse aprendizado com os conteúdos e abordagens dos materiais didáticos, dos professores e até mesmo do que a sociedade espera de um usuário de uma língua estrangeira.
Com isso, chamamos a atenção para a necessidade urgente de adotar uma matriz de referência que engloba conteúdo e habilidades (knowledge and skills) de maneira seriada e progressiva.
No contexto da educação regular, o componente Língua Estrangeira Moderna contribui decisivamente para a formação complexa do indivíduo, aproximando os alunos a outras culturas, outros modos de viver. As habilidades cognitivas e afetivas, trabalhadas em LEM são cada vez mais valorizadas, como as capacidades de trabalhar em grupo, resolver problemas, comunicação e colaboratividade, atualidades e pensamento crítico.
Não obstante, aprender uma ou mais LE é indispensável nos cenários atuais. Vivemos em uma civilização global que encurta distâncias, que possui ferramentas que aproximam pessoas e mercados, que potencializam o acesso universal à informação e ao conhecimento, mas que também apresenta de maneira intensiva as disparidades culturais, sociais e econômicas.
O desenvolvimento do indivíduo inserido nesse cenário atual é um processo de aprimoramento de suas competências de pensar e agir sobre e com o mundo e atuar socialmente, atribuindo sentidos, compreender e ser compreendido, situar-se e ter o sentimento de pertença. A educação formal deve estar a serviço de tal aprimoramento que visa a formação da identidade, das autonomias ética e moral e da liberdade.
Concluímos reafirmando que as escolhas pressupõem um guia, uma matriz de referências, um repertório articulador do conhecimento, que transite entre o local e o global. Esse tipo de quadro elenca, de forma colaborativa, uma síntese dos saberes produzidos pela humanidade ao longo de sua história e de sua geografia, e dos saberes locais, dos entornos das escolas. Esses são os conteúdos – mínimos ou comuns, como se discute na atual BNCC.
Tal síntese da produção da humanidade em matriz referencial é uma das condições para o indivíduo obter o conhecimento necessário para o pleno exercício da cidadania em dimensão mundial, para que ele tenha autonomia e gerencie a própria aprendizagem (o “aprender a aprender”) e o resultado dela em propostas de práticas solidárias (o “aprender a fazer” e o “aprender a conviver”) a partir de diagnósticos de exames que avaliem objetivamente o desempenho do aluno.
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FONTE:
https://www.linkedin.com/pulse/referenciais-de-ensino-para-l%C3%ADngua-estrangeira-an%C3%A1lise-francini